Vampyr é um game repleto de escolhas morais e potencial desperdiçado

Com Vampyr, a DontNod prova que é um estúdio que gosta de se arriscar e sair de sua zona de conforto. Se em Remember Me a empresa entregava uma experiência ambiciosa, mas com problemas de ritmo e falhas mecânicas, em Life is Strange a desenvolvedora revelou seu talento para criar personagens bem desenvolvidos e que ficavam na memória, gerando um merecido retorno financeiro.

Nesse cenário, seria fácil para a empresa voltar a explorar a vida de Max e Chloe ou apostar novamente em um adventure, mas ela decidiu ir por um caminho bastante diferente. Em Vampyr, temos um RPG de ação em um mundo semiaberto que nos apresenta uma questão central: devemos salvar pessoas ou se aproveitar delas para ficar mais fortes e poderosos?

No game, você assume o papel de Jonathan Reid, um médico talentoso que se tornou conhecido pela criação de um novo método de transfusão de sangue que salvou várias vidas durante a Primeira Guerra Mundial. De volta à Inglaterra, ele é transformado em um vampiro em um momento no qual a cidade é assolada pela gripe espanhola — sua missão é tentar erradicar a doença ao mesmo tempo em que tenta controlar sua sede de sangue.

Sacrificar ou salvar

A contradição entre ser um profissional dedicado a salvar vidas e uma criatura que depende da morte dos outros para sobreviver é o ponto central de Vampyr. Cada distrito do game é recheado de possíveis “vítimas” (ou NPCs), que o jogador tem que se dedicar a conhecer para aumentar os pontos de experiência concedidos por ela — quanto mais informações são obtidas (e quanto mais saudável seu alvo), maiores as recompensas.

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No entanto, o processo de conhecer seus alvos (e cumprir tarefas para alguns deles) faz com que se torne difícil vê-los somente como meios para um objetivo. Em geral, os personagens são escritos de forma a permitir que um jogador crie simpatia por eles, o que torna difícil querer que eles morram — afinal, transformá-los em pontos de experiência significa perder pontos de diálogo interessantes ou possíveis missões futuras.

Há algumas exceções a esses casos, na forma de NPCs que estão lá claramente para se tornarem figuras detestáveis que incentivam um “abraço” (maneira como o jogo chama o ato de Jonathan ao se alimentar), mas até mesmo se livrar deles tem consequências. Cada distrito de Vampyr possui um medidor de saúde atrelado às suas ações, e deixá-los em caos significa ter que lidar com uma quantidade maior de inimigos (e com cidadãos menos saudáveis para você se alimentar futuramente).

Caminho pacífico

Apesar de essas escolhas morais estarem presentes constantemente no jogo, é possível decidir ir pelo “caminho do bem” e nunca matar ninguém — caminho que optei na minha jogatina. É possível finalizar o RPG sem se alimentar de nenhuma pessoa, já que os pontos de experiência necessários para se fortalecer podem ser adquiridos em quantidade suficiente conforme você avança na missão e cumpre missões secundárias.

É possível finalizar o RPG sem se alimentar de nenhuma pessoa

Enquanto isso significa não ter acesso completo a todas as melhorias e habilidades de Jonathan, o game compensa isso com um sistema de equipamentos que podem ser melhorados usando peças encontradas no cenário. Ter armas fortalecidas é essencial para seguir o “caminho pacífico” da aventura, permitindo que você tenha chances contra inimigos que claramente estão em um nível superior ao seu.

Os únicos momentos nos quais Vampyr se tornou realmente desafiador foram nas batalhas contra chefes, e nem sempre isso aconteceu por bons motivos. Enquanto alguns deles realmente desafiam seu timing e conhecimento tático, a maioria acaba sendo “esponjas de dano” que demoram a morrer mais pela quantidade absurda de vida do que pela dificuldade em ler seus padrões de ataque.

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O combate traz inspirações claras na série Souls, apresentando uma barra de vida e uma de stamina, que controla a quantidade de ações que você pode fazer. O jogo também possui um medidor de sangue, que determina o acesso a poderes especiais — e que pode ser enchida com auxílio de algumas armas ou de mordidas em inimigos que estão paralisados.

As batalhas de Vampyr não chegam a ter o mesmo grau de sofisticação de suas inspirações, pecando principalmente pela falta de “peso” — raramente você sente que está causando alguma espécie de dano real. Além disso, a pequena variedade de inimigos faz com que você caia rapidamente em uma “zona de conforto” e não tenha que se preocupar em variar muito suas táticas.

Duas experiências distintas

Vampyr é um game que parece ser feito de duas metades que nem sempre se conversam muito bem. Em uma delas você vai vagar por ruas escuras matando inimigos humanos e criaturas bizarras, investigando gavetas e armários atrás de itens e documentos que possam ajudá-lo em seu avanço.

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Na outra, não há qualquer sentido de urgência conforme você anda por ruas livres de qualquer ataque e conversa com pessoas para descobrir mais sobre elas e destravar missões secundárias. A transição entre essas partes é clara, especialmente quando o jogador chega a um novo distrito: geralmente, sua primeira atitude neles vai ser procurar por todos os moradores locais para destravar as conversas que permitem seu avanço na trama.

Essa distinção entre essas duas metades de forma tão abrupta é prova de que a DontNod ainda não está muito certa de como fazer um game no estilo de Vampyr. Durante a jogatina, muitas vezes senti que os momentos de combate estavam ali mais por “obrigação” do que por fazer sentido ao avanço da trama, que sofre com vários problemas de ritmo.

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Nem mesmo diálogos bem escritos e personagens interessantes conseguem compensar o fato de que pode ser um pouco chato ficar discutindo sobre pontos que nada tem a ver com sua missão principal durante horas. Isso é especialmente evidente quando você se depara com os NPCs menos interessante da trama, que muitas vezes acabam tendo conversas que parecem seguir um caminho “circular”, repetindo vários dos mesmos pontos sem chegar ao objetivo final.

Essa “quebra” de ritmo faz com que Vampyr seja uma experiência muito menos dinâmica do que jogos como The Witcher 3 ou os RPGs da BioWare (que tem clara inspiração no sistema de conversas do game) e que demora a engrenar. Felizmente, esse problema diminui um pouco a partir da segunda metade da trama, quando seu objetivo final (e os meios de chegar lá) finalmente começam a ficar mais claros.

É bom saber a hora de parar

O principal problema de Vampyr, a meu ver, é que os desenvolvedores parecem não ter sabido a hora de parar de adicionar detalhes e camadas a seu roteiro. Enquanto a trama básica envolve magia e ciência de forma interessante, muitas das explicações dadas pela DontNod parecem contrastar com a proposta inicial do game e acabam não fazendo muito sentido.

muitas das explicações dadas pela DontNod parecem contrastar com a proposta inicial do game

Sem entrar em spoilers, vou me limitar a afirmar que o romance que toma lugar central em determinado ponto é mal desenvolvido e não possui qualquer coesão com o rumo que a trama tomava até aquele momento. Ao final do game, a sensação que eu tive foi de que faltou um editor, algum membro da equipe que dissesse aos roteiristas para parar de adicionar ideias e camadas à história.

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Essa foi a minha maior decepção com Vampyr: na ânsia de explicar demais, contar em detalhes cada um de seus pormenores, a DontNod criou um game no qual as respostas dadas não satisfazem. Ao não deixar espaço para a imaginação, a equipe de roteiristas criou uma experiência cuja conclusão soa artificial e faz questionar se houve alguma grande mudança de rumo entre o começo e a conclusão do desenvolvimento do jogo.

Potencial desperdiçado

Vampyr é um RPG de ação competente, mas que não chega a se destacar no gênero. O game tem ideias boas, como a aposta em um sistema que depende da moralidade do jogador para funcionar, e sabe criar um universo opressor. No entanto, uma trama cheia de reviravoltas mal planejadas e um sistema de combate somente “OK” faz com que ele não consiga atingir todo o potencial.

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Jonathan Reid e seus coadjuvantes são personagens interessantes e que eu gostaria de ver em sequências, mas dos quais acredito que não vou conseguir me lembrar muito nas próximas semanas. Ao tentar criar um universo grandioso e cheio de detalhes, a DontNod parece ter esquecido que muitas das histórias mais memoráveis são interessantes tanto pelo que nos revelam quanto pelo que deixam para a imaginação.

Apesar de seus defeitos, Vampyr é um game que entretém bem pela sua duração aproximada de 30 horas e que merece o interesse de quem gosta da temática vampiresca. Pena que sua aposta em um romance mal desenvolvido e em um final que se arrasta demais para seu próprio bem faz com que eu tenha saído dessa experiência com um gosto um pouco amargo na boca.

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Pontos Positivos
  • Sistema de moralidade interessante
  • Uma ótima ambientação
  • Personagens interessantes (em sua maioria)
  • Missões secundárias divertidas
  • Bom design de fases
Pontos Negativos
  • Sistema de combate somente “OK”
  • Um romance forçado que toma parte central na trama
  • A história se perde ao tentar explicar detalhes demais
  • Ritmo inconstante