Alien: Isolation fez escola e Outlast 2 não fez a lição de casa

Depois da eternização do survival horror na década de 90, os anos 2000 experimentaram muito com o gênero de terror. As câmeras fixas foram sumindo, e a visão em primeira pessoa em jogos como Condemned e F.E.A.R apareceram. Contudo, títulos como Amnesia trouxeram a dinâmica que veio para ficar (pelo menos por enquanto), colocando o jogador no papel de um protagonista incapaz de lutar e que pode apenas fugir – e chorar no canto.

Apesar de ter bons antecessores, foi Outlast quem popularizou uma nova leva de games de terror pra borrar a calça de marmanjo. A dinâmica do jogo, que consistia em transmitir um sentimento de impotência ao jogador, ficou famosa ao colocar monstros e maníacos para assustar muito quem se aventurasse nos corredores do manicômio.

A sequência parecia óbvia, e a equipe não perdeu tempo em aprimorar tudo que fez do primeiro tão bom, colocando você no papel de Blake Langermann, que vai com a sua esposa investigar um assassinato brutal no deserto do Arizona. Obviamente, tudo dá errado e sobra para você encontrar a sua mulher e fugir da vila de loucos e assassinos. Com uma ambientação muito mais pesada, macabra e satânica, Outlast 2 é uma experiência que prometia muito, mas não entregou tudo.

Outlast 2 prometia muito e entregou pouco

Ambientação de arrepiar os pelos e borrar as calças

Vamos falar primeiro da parte que a sequência acerta em cheio. A ambientação é incrível e impressionante. Aterrorizante, se vista de outro ponto de vista. A equipe pegou pesado e não poupou esforços ou criatividade para construir um local e um clima satânico extremamente perturbador, brutal, violento e cheio de detalhes que chegam a causar desconforto.

Você passará por lugares que vão desde fossas com bebês mutilados até prisões com hereges sendo queimados e aprisionados com torturas hediondas. Cada pedacinho do game é feito de maneira a se parecer sujo, nefasto e digno do trabalho do Cramunhão. Está vendo essa casinha? Certeza que o Mochila de Criança passou por aqui.

Galeria 1

Há um contraste bem legal entre a nova ambientação, uma vila do deserto do Arizona, e as alucinações que se passam na escola católica no qual Blake estudou – ambientes que lembram mais o primeiro game. Cada detalhe, como garrafas, fotos, cadeiras, textos e colagens em murais são extremamente caprichados e ajudam na construção da atmosfera.

A atmosfera é brutal, violenta, suja e cheia de elementos bem pesados que criam uma tensão grande

Essa ambientação ajuda a reforçar o principal ponto do jogo: a imersão. A gente sabe que jogar em primeira pessoa realça bastante a capacidade de se imaginar dentro da aventura, mas um ambiente bem construído e uma atmosfera convincente são elementos essenciais para nos aterrorizar. E isso Outlast 2 tira de letra.

Gráficos impressionantes e sonoplastia fenomenal

Os gráficos do jogo estão de cair o queixo e trazem cenários lindíssimos em altíssima qualidade, tudo em 60 frames por segundo para deixar mais fluido. Grande parte da tensão ocorre por causa da fidelidade visual em criar algo realmente perturbador. É a velha questão: qualidade técnica em gráficos importa? Via de regra, não necessariamente, mas em alguns casos – como este – ela é imprescindível para o propósito do jogo.

Talvez a ambientação escura mascare parte da beleza gráfica, mas qualquer cenário bem-iluminado revela itens, personagens e elementos extremamente bem-feitos e bem-modelados. Os contrastes entre o claro e o escuro cria efeitos de luz muito lindos tecnicamente e bem fotorrealista, mostrando o cuidado que a desenvolvedora teve.

Os gráficos estão muito bem-feitos

Porém, o que brilha mesmo é a sonoplastia. A parte sonora é soberba e é uma das principais responsáveis pela atmosfera amedrontadora e imponente. A equipe de som soube mexer com a cabeça do jogador com sussurros que parecem onipresentes e dosar os momentos de jumpscares na medida certa. Esqueça os sustos gratuitos que ocorriam a cada 5 minutos.

Os jumpscares estão mais escassos, e Outlast 2 assusta e assombra pelo clima pesado e macabro

Esses espantos baratos e preguiçosos estão bem menos frequentes e foram trocados por uma experiência que acoberta você em um cenário hostil e macabro para causar desconforto. Pode ter certeza que quando a bateria acaba no meio de um milharal, o bicho pega. Esses momentos de tensão são mais inteligentes, criativos e bem desenvolvidos do que grande parte dos sustos sem nexo do primeiro game.

Mais recursos habilidades, mas com limitações narrativas

Um dos principais (ou talvez único) recursos de Outlast é a câmera, e ela foi aprimorada agora, servindo para gravar trechos da aventura que podem ser revistos para escutar comentários extras narrados pelo protagonista. Entre os recursos adicionais da gravadora estão a resistência à água e a detecção de sons pelo microfone, que ajuda na hora de saber há alguém atrás da porta que você quer abrir – algo à la detector de Alien: Isolation. Obviamente, essas coisas gastam bateria e é preciso cuidado, pois o gerenciamento de recursos ainda é uma das mecânicas principais – e que continua muito boa.

Agora há um inventário em tempo real

O próprio protagonista tem algumas habilidades diferentes também. Há um inventário em tempo real para observar os curativos, as baterias, os itens, o objetivo e até mesmo os vídeos gravados, bem similar ao sistema implementado em Alone In the Dark, de 2008. O personagem, agora mais maleável e com livre exploração, consegue pular, escalar e descer de algumas plataformas em momentos determinados, criando um dinamismo maior.

Porém, parece que Outlast 2 se pauta em momento determinado. O primeiro jogo já era linear, mas parece que a experiência ficou ainda mais retida a um grande corredor disfarçado de ambiente livre. Pular caixas para fugir de monstros não é uma opção, mesmo sabendo que o personagem escala alturas bem maiores; o monstro apareceu? É melhor correr e esperar encontrar a única saída possível ou se esconder para tentar de novo.

Apesar de ter novas adições, elas não são úteis na maior parte do tempo, infelizmente

A possibilidade de pular ou descer de lugares não serve para nada além de momentos scriptados. Em outras palavras: esses novos movimentos não terão utilidade para nada durante a correria e o gameplay convencional – no máximo para atravessar janelas. Essa é apenas uma das “melhorias” desperdiçadas do game.

Alien: Isolation fez escola e Outlast 2 não fez a lição de casa

Não há problemas em criar um game que dependa apenas de mecânicas de fuga ou progressão scriptada. Layers of Fear criou uma experiência de gelar a espinha (mesmo sem possibilidades de ter game over), e Alien: Isolation desenvolveu uma das melhores campanhas de terror da última década ou mais, com uma inteligência artificial invejável. Outlast 2 consegue seguir a fórmula muito bem até certo ponto, mas se perde demais no caminho.

Os inimigos são scriptados demais, apesar de serem tenebrosos e darem sustos de alta qualidade

Um dos exemplos que quebram a imersão são os inimigos, que têm a mesma rotina repetida e jamais saem do seu script. Refazer a mesma parte algumas vezes deixa claro que eles seguem caminhos específicos, começando e terminando sempre no mesmo lugar. Para o jogador, resta apenas esperar pacientemente para desvendar a solução ou sair correndo e apostar na sorte. Essa estrutura engessada se torna chata e fraca em muitos trechos, pois há exemplos bem melhores na indústria.

Por conta disso, você vai morrer muito em Outlast 2. Diversas vezes será mais fácil passar por tentativa e erro do que esperar pacientemente e ser descoberto por um morador da vila. Aos poucos, a jogabilidade vai se tornando chata. Isso não ocorre todas as vezes, mas há muitas situações como essa. E os “monstros” também não ajudam, já que apenas Marta e Padre Lautermilch serão seus “Nêmesis” durante a campanha, repetindo muito a mesma estrutura. Em outras palavras: em 70% das vezes, falta o elemento surpresa.

Às vezes, Outlast 2 brilha e cria algo imensamente tenebroso; em outras ocasiões, ele é chato, repetitivo e frustrante

Por conta do level design que falha em mostrar o caminho, guiar o jogador para o lugar correto ou ajudar a despistar o inimigo que está no seu encalço, a rotina de avançar no game se torna boba e quebra toda a imersão que o ambiente cria tão bem. Depois de morrer três, quatro ou cinco vezes para encontrar a única solução possível, o medo acaba e a frustração preenche o vazio.

Todavia, há trechos em que Outlast 2 brilha e cria uma das mais assustadoras e impressionantes cenas do terror linear dos últimos tempos, principalmente durante os momentos de tensão na escola (durante as alucinações de Blake). Essas cenas mostram que há potencial para a fórmula pura do game, mas que, em grande parte, foi mal aproveitada. Linearidade não é ruim, mas ela deve ser utilizada da forma correta.

Galeria 2

De certa maneira, jogar Outlast 2 é uma experiência contrastante. Em um momento, você estará se borrando nas calças e desejando jogar de dia com a mãe do lado; em outro, estará tão de saco cheio de tentar passar por inimigos bobos que terá vontade de desligar o console. Resumidamente, é uma montanha-russa de acertos que causam terror, tensão, frustração e tédio.

História simples, mas interessante e intrigante

Um dos elementos que acabam compensando é a história, que acerta em contracenar uma narrativa de fuga com muito desespero imediato e diversos detalhes sobre cultos satânicos, com um enredo com drama e horror psicológico que o protagonista tem por causa de um evento que ocorreu em sua infância, tudo retratado em forma de alucinações.

Basicamente, a narrativa é simples para intrigar quem quer jogar descompromissadamente e complexa para quem quer destrinchar o lore e entender toda a conexão com o primeiro jogo. Há espaço suficiente para interpretação, mas também não deixará ninguém sem entender nada.

A história utiliza muitos elementos do passado do protagonista em contraste com os eventos da vila satânica

O jogo está inteiramente em português, com exceção das vozes, e fica fácil interpretar e entender o rumo do enredo. Há momentos em que o clima de filme B de terror toma conta e pode ser tosco, mas, no geral, trata-se de uma história satisfatória para quem não quer apenas um jogo de terror “sem cérebro”.

Vale a pena?

Mesmo com muitos momentos marcantes e uma ótima ambientação, seja ela sonora ou gráfica, Outlast 2 parece uma casa mal-assombrada de um parque de diversões: o terror, os sustos e a experiência legal estão ali, mas é tudo tão linear e scriptado que uma hora perde a graça e continuar parece só uma obrigação. Ao mesmo tempo que parece uma grande evolução em relação ao primeiro jogo, muito do dinamismo e surpresas também se perderam.

O maior problema de Outlast 2 é que há muitos trechos mal aproveitados e sequências frustrantes que, no decorrer do tempo, ofuscam o horror, o pânico e a atmosfera incrível. Vale ressaltar que as notas são particulares e subjetivas, e que, para alguns, o game pode ser uma das melhores experiências de terror dos últimos tempos, enquanto outros vão se frustrar.

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Pontos Positivos
  • Atmosfera extremamente bem construída, pesada e macabra
  • Os sustos banais estão escassos e o terror psicológico está mais presente
  • A história é simples, mas consegue entreter bem
  • A câmera ganhou novos recursos e o personagem tem algumas habilidades novas
  • A dinâmica entre as alucinações do personagem e a fuga da vila é bem legal
  • Gráficos excelentes e em 60 fps sem quedas
  • Uma das melhores sonoplastias de um game terror
Pontos Negativos
  • Level design malfeito em vários momentos
  • Estrutura de jogo extremamente linear e scriptado
  • Alguns momentos perdem o terror e dão lugar ao tédio, frustração e chatice
  • Os inimigos seguem a mesma quase sequência sempre
  • Os novos recursos e habilidades são pouquíssimos utilizados